Meu nome, apesar de desnecessário ao relato, é Diogo, e sou perfeitamente são. Sou um cara saudável, em ótima forma física, desses que corre todos os dias pela manhã e se alimenta (ao menos tenta) da melhor forma possível. Sigo uma rotina correta, em termos gerais, sabendo ser exemplo para muitos dos que convivem comigo. Entretanto, vivenciei fato curioso nos últimos tempos, algo que, de tão peculiar, me levou direto a um hospital (coisa que jamais ocorreu sem que fosse para exames de rotina). Algo que nem a mais correta das dietas poderia prever ou prevenir.
Após um sábado regado a mais teor etílico do que estou acostumado, a lapsos de memória recorrentes e a experiências sentimentais conturbadas com minha recente companheira, notei uma constância estranha em meu peito, uma espécie de palpitar diferente, numa frequência que jamais poderia ser mera batida do coração.
Preocupado com minha saúde, temendo ter exagerado demais no happy hour, na briga amorosa e ainda sem uma resposta do meu próprio organismo pós-ressaca, fui a um cardiologista, que me encaminhando a um radiologista, deu-me o diagnóstico: em meu peito havia um outro ser vivo.
Não, isso não é uma metáfora. Havia mesmo algo habitando em meu peito, e não era o meu coração. A minha primeira reação, assim como a de todos os médicos e técnicos envolvidos no caso, foi a de perplexidade. Entretanto, após mais outros dois raios X e incontáveis ultrassons, não havia mais dúvidas de que era possível dois corpos habitarem o mesmo espaço (ou quase isso, mas a frase soou pertinente aos meus ouvidos).
Fui para casa sem uma receita médica e sem respostas, após várias fotos que iriam sair nas revistas de medicina e provavelmente em algum instagram. Apesar de ser alguém sociável, me incomodava profundamente a ideia de dividir o corpo com outro ser. Já não era tão simples dividir o colchão, a escova de dentes, quanto mais o próprio corpo.
A primeira dificuldade que enfrentei foi contar para Juliana. Estávamos nos conhecendo mais intimamente havia algumas poucas semanas, mas eu sempre soube que o ciúme dela poderia explodir a qualquer momento. Era uma coisa de signo, me disseram, mas eu achava mesmo que era algo da Juliana.
Quando contei para ela sobre a peculiaridade, não sabia se ria (de nervoso, agora penso) ou se tentava proteger meu apartamento de ser declarado como "perda total". Ela se enfureceu a tal ponto de me acusar de dar um local em meu peito a um extraterrestre do que a ela. Não valia a pena explicar que não se tratava de um extraterrestre, mas de um intracorpóreo. Fato é que custei a acalmá-la, somente conseguindo um efeito após mostrar uma das radiografias.
Bem ali, do lado do peito. Um ponto preto, que dependendo do momento, crescia até obscurecer por completo o tamanho do meu coração.
Eu não sabia como lidar com aquilo, tampouco os médicos souberam me dizer, tendo em vista o ineditismo da coisa. Tive, pois, que aprender uma tática de sobrevivência.
Após algumas semanas convivendo com meu novo hospedeiro, fui traçando um perfil para seus movimentos. Percebi que quando eu estava tranquilo, com minha rotina se cumprindo de forma leve e sem problemas, ele parecia nem mesmo existir. Por mais que eu tentasse, conversasse com ele (não sei o que passava pela minha cabeça, talvez um paralelo com uma gravidez?), ele não se mexia. Por outro lado, quando algo em minha vida saía dos trilhos, eu tinha alguma briga com a Juliana e ficava profundamente chateado, ou fazia com que ela se chateasse comigo, lá ia ele, dominando com louvor o espaço no meu peito.
No início, fiquei irritado, pensando seriamente em pedir uma cirurgia. Como já não bastasse ter que lidar com os problemas de um relacionamento conturbado, ainda tinha que conviver involuntariamente com uma massa indefinida no peito que crescia proporcional ao meu sofrimento.
Foi então que, num ataque de ciúmes, a Juliana me deixou. Não um ataque dela, mas meu. Não era coisa de signo, mas algo que eu precisava tratar, percebi. Mas parecia ser tarde demais. Logo eu, que sempre achei que o mais difícil do meu relacionamento com a Juliana fosse lidar com a sua personalidade possessiva, fui o responsável por afastá-la de mim.
Quando ela saiu pela porta, batendo-a atrás de si, pensei que fosse morrer. Um choro repentino foi tomando conta de mim, um misto de raiva e incredulidade, a ficha caindo aos poucos de que o errado era eu e que ela talvez nunca mais voltasse. Deitei de lado na cama, abraçando como uma criança o travesseiro e chorei de perder o tempo. Quando achava não mais haver lágrimas dentro de mim, senti que meu peito começava a bater naquela frequência diferente, indicando que o meu hospedeiro estava ali.
Ao contrário do que imaginei ocorrer, a dor foi diminuindo.
Não sei ao certo como tudo ocorreu, mas as lágrimas não mais caíam dos meus olhos e a tristeza parecia estar se drenando para algum local dentro de mim. Levantando e me olhando no espelho, percebi o movimento em meu peito se intensificar, na medida em que eu me acalmava cada vez mais. Quando finalmente ele parou de se mexer, eu estava perfeitamente calmo.
Colocando a mão sobre o peito, balbuciei um agradecimento. Aquele ser que ali estava funcionou como um buraco negro, sugando a minha dor e fazendo com que eu tivesse discernimento para pensar com clareza.
Os acontecimentos após a constatação da função do meu companheiro intracorpóreo aconteceram de forma muito complexa, de forma que farei um resumo:
Sabe-se lá como, a Juliana me perdoou pelas minhas mancadas, mas não sem antes afirmar que só voltaria comigo se eu prometesse uma série de coisas, dentre eles jamais fazer uma cirurgia para tirar meu companheiro do peito. Depois do ocorrido, a Juliana o via com outros olhos, e eu a via com olhos muito diferentes, também.
Como era de se esperar, o caso se tornou um verdadeiro furo científico, e eu fui diagnosticado como sendo o primeiro ser vivo a hospedar um parasita filtrador. "Tumor do Buraco Negro", foi o nome que ele recebeu, e apesar de eu me recusar a retirá-lo, fui avisado de que, como todo tumor, ele poderia proliferar, causando um câncer raro. Compreendi os fatos mas, sabendo do seu real objetivo, preferi lidar com os riscos.
Continuo sendo um cara saudável e completamente são (apesar de inúmeras tentativas da área psiquiátrica e às vezes psicanalítica em darem outras explicações para o meu caso). Minha história talvez pareça ficção, e talvez você possa pensar que ela não tem relevância nenhuma. Mas eu faço uma analogia com a fé: é preciso crer para que ela exista.
Imagem: NASA |
- Bia