segunda-feira, 11 de junho de 2018

Profundas Minúcias



Ele acordara com o peito ardente, a boca seca e o bolo - aquele bolo que habitava sua garganta havia tempos - mais incômodo do que nunca.

Às vezes ele se sentia pequeno. Não em tamanho, - ele se sentia ok sobre isso -, mas por seus pensamentos. Era como se, por vezes, o ar o comprimisse para dentro de si mesmo e ele perdesse o controle das ideais.

Na noite anterior, ela o levara em casa e ele se sentiu diferente. Não, não era clichê, desses ditos para a pessoa de quem se gosta. Ela o havia feito se sentir... pequeno. Toda aquela segurança, todo o seu jeito de lidar com as coisas, o modo como ela conseguia dirigir a vida e o próprio carro como se nada mais importasse. Ele se impressionara, de um jeito que não fazia há bastante tempo. Era um misto de admiração e medo. Ele tinha medo de não bastar, de sucumbir antes mesmo de iniciar a subida.

Era o efeito da adrenalina em um esporte radical.

Fazia frio naquela manhã e nem mesmo o chá quente em suas mãos parecia adiantar. Todavia, o frio em sua pele atestava que ele estava vivo, lhe dizia para respirar fundo, ainda que a compressão em sua cabeça continuasse exponencialmente. Ele saiu para a varanda e, tirando um cigarro recém bolado de dentro do bolso do moletom, acendeu-o.

Inspira...

Prende...

Expira...

Os círculos de fumaça sempre foram algo que ele almejara conseguir fazer. Ainda estava tentando.

O frio concentrava-se em seus lábios como se nenhuma outra parte do corpo tivesse importância. Ele sentia a pele da boca se dividindo com um mísero movimento, o gosto do sangue se misturando ao da erva a queimar sua garganta.

A ardência do peito diminuiu. A pressão sobre sua cabeça pareceu ceder um pouco. Mas não havia nada que ele pudesse fazer com o bolo.

Ele apagou a ponta do cigarro na parede, guardando-a no bolso e entrou em casa. Serviu-se novamente de chá, colocando por cima da xícara nova a tampa de pressão, tudo comprado na loja de artigos importados, aquela famosa. Foi até o quarto e, sem acender a luz, agachou-se ao lado da cama, colocando a xícara no móvel de cabeceira.

Ela dormia um sono profundo e tranquilo, enrolada até o pescoço no cobertor de lã surrado. Ele teve vontade de acariciar seu rosto, fazer cafuné em seus cabelos embolados num coque estranho que só ela sabia fazer,  mas preferiu não ser a causa de seu acordar repentino.

Ficou ali, olhando para ela no escuro do quarto por um tempo incontado. Ela era gigante. Aqueles um metro e sessenta pareciam dois. Sem esforço ou premeditações, ela crescia, brilhava e ele se pegava acanhado e amedrontado, quase como um menino que tentasse andar de skate pela primeira vez.

O bolo em sua garganta se moveu, para cima e para baixo. Se tivesse sabor, ele uma vez pensara no assunto, com certeza seria de algo bem amargo. Certamente não chocolate. Ele engoliu a saliva com força, buscando amaciar o que quer que estivesse morando em sua garganta. O movimento fez seu peito arder e ele perdeu o equilíbrio, apoiando-se na mesa de cabeceira e rangendo o chão.

Ela se moveu felinamente na cama, abrindo aqueles olhos grandes e borrados de maquiagem, fixando-os nele.

Sol.

Calor.

Sorrindo, ela esticou as mãos, tocando-lhe os cabelos desgrenhados. O que quer que ele tinha na garganta e no peito fizeram uma festa dentro dele, parando no estômago.

- Você está com cheiro de chá - ela disse, como se aquela afirmação fosse a mais importante do mundo naquele momento.

- Eu ouvi dizer que você gosta muito de ervas - ele disse, completando o ciclo de duplos sentidos.

Abrindo ainda mais o sorriso, ela pegou a xícara da cabeceira e, recostando-se na cama, começou a beber. Ele se levantou e saiu do quarto, abrindo um pouco da cortina ao passar.

Ele não era bom com palavras, por isso fugia de conversas longas. Mas desde a noite anterior vinha pensando na maneira mais bonita de dizer que sentia por ela aquele grande clichê.

Ele sorriu, passando os dedos entre os cabelos. Realmente estava cheirando a chá.


- B. R.

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