Ele não estava bem. Sentado no chão da sala com a postura ereta de sempre, o computador ligado na tomada e o caderno sem pauta aberto. Quem o visse assim diria que nada havia mudado, era dessa mesma maneira que ele se comportava em todos os seus momentos de trabalho. A diferença, para os olhos astutos e a percepção aguçada, estava na mesinha ao lado do sofá.
Ele tomava café forte, com muito açúcar, quase uma espécie de melado estranho, e havia um pedaço mordiscado de biscoito recheado ao lado da caneca, como se ele tivesse tentado comê-lo, mas a desistência foi mais forte no meio do caminho.
Na noite anterior, ela havia vindo, pela última vez. Conversaram sobre as mesmas coisas bobas que faziam a ambos felizes, pequenos detalhes sobre a existência tão ínfima e desolada da nossa espécie, detalhes estes que os aproximava. Mas, ao contrário das outras vezes, ela não iria mais voltar. Ele soube que seria a última vez no momento em que abriu a porta e viu que ela estava com os cabelos presos num coque meticulosamente arrumado. Não havia um fio de cabelo solto, e aquilo só podia significar adeus.
Agora, naquele instante, ele se sentava de frente para a tela branca do computador, tela sobre a qual ele já havia desenhado inúmeros esboços, apagando a todos com menos de cinco minutos de trabalho. O branco havia tomado conta de sua cabeça tanto quanto era visível naquela tela, e até mesmo seu caderno costumeiramente rabiscado hoje se deixava embranquecer. Ela, que tanto lhe preenchia, ainda que com palavras ou gestos vazios, tinha deixado um buraco que ele não sabia se seria capaz de tapar.
Tomou um gole do café doce, aquele café que jurara há anos jamais tomar de novo, e estremeceu. Dessa vez, foi um calafrio vindo do vento que balançava as cortinas da sala, fazendo-as dançar como ele e ela fizeram num baile de periferia, tanto tempo antes. Não se parecia com nada além de um sonho distante, talvez uma ideia que um dia existira, mas nem sequer chegara a se concretizar.
Ele se levantou devagar, sentindo os joelhos trincarem com o peso do silêncio que se apossara daquele apartamento, e foi até a janela. Quando estava prestes a fechá-la, um passarinho verde pousou no parapeito, impedindo-o de concluir o movimento. Era pequenino, frágil. Em nada se parecia com ela, tão decidida em sua feminilidade, tão grande em sua pouca compleição física. Por um mísero instante, sentiu-se impelido a pegar aquele serzinho entre as mãos e lhe dar um pouco de afago tão caro num dia frio de outono. Mas num um gesto rápido, balançou o braço para fora da janela, impulsionando-o a voar.
Observou o passarinho fazer o seu caminho forçado até desaparecer de vista, o que não durou muito, dado à sua grave miopia. Fechou a janela e tornou a se sentar no chão. Entretanto, o computador agora estava com a tela preta, plano de fundo neutro, o seu preferido. Ele a encarou e, ao fazer isto, viu-se refletido, olhando a si mesmo de volta.
Pela primeira vez, viu aquilo que a sua pele e corpo já sentiam desde a noite anterior. Seus olhos estavam inchados e vermelhos. Ele sabia que ela não voltaria. Mas isso não o impedia de pedir em silêncio que ela o fizesse.
- Bia
Fonte: http://html-maker.tumblr.com/page/18 |
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