Ela estava em sua cama, deitada por cima das cobertas quentes, o rosto voltado para a janela velha e aberta. Ainda não era primavera, mas o clima havia esquentado consideravelmente. E quando ela dizia isso, era para além da questão meteorológica.
O céu estava vermelho, e ela sabia que, naquele caso, era mais do que o pôr-do-sol. Ela estreitou os olhos, buscando aguçar a visão, mas daquela distância, só o que conseguia era lacrimejar.
O clima havia esquentado, o céu estava vermelho e ela tinha certeza de que tudo era uma questão de tempo até que as coisas saíssem fora do controle. Podia parecer metáfora, mas...
Os Céus estavam em Guerra.
Ela já vivia longe daquele universo, das complicações familiares e dos conflitos divinos fazia muito. E aqui, na pequena cidade em que ela se encontrava, fazia ainda mais tempo que as pessoas não acreditavam na sua existência, e nem na de nenhum membro de sua família.
Ela suspirou, sentindo as costas doerem, motivo pelo qual permanecia deitada. Ali, em seu pequeno quarto, ela via o mundo ao qual pertencera durante tantas eras, onde fora criada e crescera, se destruir. Não que aquilo fosse uma surpresa (tantas guerras já haviam acontecido antes e o mundo sobrevivido), mas daquela vez, ela sentia que era diferente.
Daquela vez, ela sentia em suas costas.
Desviando o olhar do céu, que se escurecia com o sumiço do sol e camuflava o incêndio que por lá acontecia, ela se virou de lado, mordendo os lábios para não gritar.
Havia uma maçã na escrivaninha ao lado da sua cama, e agora ela pensava na ironia por trás daquilo. Tantas frutas para estarem ali, e justamente a mais conhecida de todas era a que lhe fazia companhia. Apesar da ausência de fome, ela precisava comer, portanto tentou reunir forças e se esticar até a fruta e pegá-la.
Uma dor lancinante percorreu a sua espinha e ela gritou, caindo no chão em meio aos soluços.
Desde o momento em que decidira deixar de lado as suas obrigações familiares, ela nunca mais havia se lembrado de como era a sua antiga vida. Nada, durante tanto tempo, a havia feito se lembrar de suas origens, e seus pais cumpriram a promessa de que a deixariam seguir o seu caminho. A única exceção seria em caso de guerra. A única exceção estava acontecendo e aquela dor era mais do que um aviso. Era O Chamado.
Apertando os dedos contra a escrivaninha, ela sentiu seu corpo se abrir, como se uma navalha a cortasse por toda a extensão de suas costas. As costelas pareciam se deslocar e ela perdeu completamente os sentidos, mas não a dor.
Sentiu que um clarão tomava conta de seus olhos fechados e, quando ela os abriu não conseguiu conter um suspiro de surpresa, medo e amor.
À sua frente, estava ele, estendendo sua mão para ajudá-la. Ela era muito mais nova que ele, sabia apenas de sua jornada, sua expulsão, tantas Guerras antes, mas ainda assim ele era seu irmão. E, Deus, como ele era lindo.
Foi então que ela perceber que o crepúsculo havia dado lugar ao amanhecer. Nada mais propício ao portador da luz.
Ela pegou a mão dele com força, sentindo seu corpo ser erguido com facilidade. Foi então que percebeu que não era ele quem a erguia, mas as próprias asas que agora se mostravam firmes em suas costas. Asas que, por tanto tempo, ela deixara de ter.
Recebendo um olhar de compreensão, de quem sabia mais do que ninguém o que era ser chamado de volta, eles permaneceram de mãos dadas e subiram aos Céus.
Em uma Guerra entre Deuses, os Anjos sempre eram os soldados mais fiéis.
Foto: Bruno Filipi |
Eu disse que gosto de tudo que cê escreve...
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