Ele estava deitado, olhando para o teto. Já nem mais o via,
tamanha era a sua identificação com ele, nesses últimos dias. Olhava-o
fixamente, sem vê-lo realmente, deixando o pensamento vagar para outros
lugares.
Para ela.
Por mais que tentasse, não conseguia explicar para si mesmo aquilo
que passara a sentir por aquela garota. De repente, ela simplesmente estava
ali, presente em sua vida e ele não conseguia entender nem mesmo de que lugar
ela havia saído.
Provavelmente, de um conto de
fadas sombrio, pensou ele com um ligeiro sorriso. Aqueles olhos cor de mel,
enormes e expressivos, o cabelo longo, ondulado e com as pontas descoloridas e
o batom constantemente da cor roxa não caberiam em uma história da Barbie. Não,
ela era diferente...
Diferente.
E, mesmo assim, ele não conseguia conter seus instintos. Sentia-se
atraído por inúmeras outras mulheres (algumas nem poderia chamar de
"mulher". Eram apenas meninas...), relacionava-se com essas tantas
outras, sentindo-se pleno, extasiado em sua masculinidade e potencial. Era como
exemplificar a função de um ímã: ele se via atraído perdidamente pelos polos
opostos, e via-se grudando a eles de um jeito instintivo e natural, sem que
houvesse qualquer explicação plausível, salvo a própria natureza das coisas.
O que o deixava perdido e sem chão era que, sempre que deitava em
sua cama, não conseguia de forma alguma dormir o sono dos justos, pois tudo o
que fazia era ver aqueles enormes olhos de mel encarando-o, zombeteiros e
simplesmente lindos.
Talvez, ele não dormisse o sono
dos justos porque tudo o que fazia era de extrema injustiça, ele agora pensava.
Mas injustiça para quem? Ele não conseguia pensar que suas atitudes pudessem
ser consideradas erradas. Vivia em um mundo que se dizia livre de preconceitos,
e gostava de ser livre, sem amarras. Além disso, ninguém sabia de nenhuma de
suas aventuras. Ele não contava a ninguém, fazia tudo consigo e para si mesmo.
Parecia, porém, que ele era o único que vinha se afetando
diretamente com as próprias ações. Naquela noite, ele pensava em como aqueles
lábios cor de uva eram os mais macios que já provara, e em como aquela pele
alva, macia, arrepiava-se com mera menção de um toque. Tudo nela era
naturalmente belo, sem esforços desnecessários e com a pureza de uma garota que
aos poucos se descobria mulher. Notava, pelo que indicava seu inconsciente, que
essas descobertas afetavam a ele também. Uma mudança no seu status de menino para homem. Ou seria o
contrário?
Ele viu a luz do seu notebook piscar, seguida do som
característico de uma nova notificação. Uma de suas conquistas recentes
acabava de chamá-lo pelo chat, elogiando-o pelas últimas fotos que postara. No
mesmo instante, o frio na barriga característico de todas as vezes em que
pressentia um provável encontro o assomara, e ele retribuiu a ela o elogio.
Conversaram coisas inúteis por alguns instantes, até que o papo tornou-se
quente, e ela lhe disse que o visitaria, naquela noite.
Ele sorriu no escuro do quarto, digitando-lhe que a aguardava.
Sabia que teria uma noite extremamente prazerosa, como foram as últimas duas.
Sabia, também, que ela não dormiria lá, nem mesmo usariam a cama
dele. Ele sabia, com a sensação de quem leva um soco no estômago, que ao deitar
naquela cama, tudo o que veria seriam olhos cor de mel e bocas de uva.
- Bia
Imagens: tumblr
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